As minhas primeiras palavras são de agradecimento pelo honroso convite que me foi feito de integrar o conselho editorial desta dinâmica Revista, e de saudações aos leitores. Aceitei-o de bom grado por se tratar de um elenco de obreiros culturais com quem doravante poderei colaborar mais estreitamente. E, pela obra feita, os meus parabéns e votos de longa vida à Casa e à sua Direcção.

Para além desses laços que me unem à Revista da Casa de Goa, é a própria terra e cultura de Goa que me acenam. Vivo no meu torrão natal, porém, não pretendo conhecê-lo melhor do que outros que não têm esse ensejo. E nem se pode dizer que os que se ausentam por força das circunstâncias têm menos amor à terra dos seus antepassados. No nosso caso, o que vale é ter o coração sempre a bater por Goa.

Mais. Não é somente o sangue que determina a cidadania cultural. Goa, que conheceu outros povos e culturas, poderia comprovar que no decurso da sua longa história foram muitos que se apaixonaram por ela. Ainda hoje, há pessoas que têm um enternecedor amor, dir-se-ia mesmo uma ligação espiritual com ela. A nós cumpre enaltecer e perpetuar o que há de nobre nesse talismã que se chama Goa.

Podemos dizer, sem receio de errar, que Goa é ao mesmo tempo terra e estado de espírito. E quem somos nós? Na feliz frase de António Colaço, “somos uma pequena e grande família. Não há aqui hindus, moiros ou cristãos. Há só Goeses”. Importa salvaguardar a nossa irmandade, deixando-a viva tanto em Goa como em Lisboa, enfim, em todos os lugares onde se encontram os Goeses, desde os tradicionais kulls ou clubes nas metrópoles indianas até às associações culturais e desportivas dos goeses espalhados pelo mundo.

Neste particular, devem Goa e Lisboa assumir um papel de liderança. Essa liderança se impõe pelo facto de serem elas os pilares da universal Casa e Espírito de Goa. Graças a Lisboa, a minúscula Goa foi em tempos o ponto de encontro do Oriente e Ocidente: aí se fundiram as culturas lusa e indiana; aí dois mundos se trocaram; aí se deu aquilo que Gilberto Freyre designou de “milagre sociológico”. Goa e Lisboa foram mesmo precursores da globalização.

Fica assim bem clara a acção pioneira que tiveram Goa e Lisboa no conhecimento mútuo das sociedades e culturas. Em ambas as cidades o elemento local se tornou universal, e vice-versa. Como agentes de transformação dos povos que mal se conheciam; como modelos de paz e amor fraterno, Goa e Lisboa têm os seus nomes escritos em letras douradas. Só que jamais se pode falar de amchém bhangarachém Goem – “nossa Goa dourada” – nem Lisboa se pode gabar de capital cultural sem problemas.

Nessas voltas que o mundo dá, festejemos a nossa identidade, cantando os louvores à língua e literatura, música e arquitectura, indumentária e culinária, às nossas seculares instituições e tradições, mas reconheçamos também as novas realidades…. Aquilo a que chamamos Goa, existe ela na realidade, ou é uma simple miragem? Se existe, até quando será ela goesa? E esse espírito, estaria ele claro ou cada vez mais nebuloso?

Nesse sentido, urge uma conscientização e relevante acção. Consistiria em viver com amor ao torrão natal; valorizar o seu património; salvar o meio ambiente; cultivar as terras com engenho e alegria; e acima de tudo, participar activa e patrioticamente na governação, com plena consciência dos valores subjacentes à cultura goesa.

Nesta Revista e noutros lugares, enquanto delineamos o nosso ideal, trabalhemos com os corações unidos em volta desta louvável causa comum.

(Editorial na Revista da Casa de Goa, II Serie, N.º 6, Set.º-Out.º de 2020)

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