Mário Miranda, meu primo e grande amigo, o que é que eu posso dizer a teu respeito que as pessoas ainda não saibam? Quando nos deixaste, já eras quase mundialmente conhecido, assim como os teus trabalhos de caricaturista e os outros mais sérios. Mas é essa tua faceta de caricaturista que eu quero recordar aqui nestas poucas linhas.

Uma página do Diário de Mário Miranda

Eras um artista nato e, até um certo ponto, um autodidata. Tinhas o condão de nos fazer rir e soltar umas boas gargalhadas, mesmo sem escrever ou pronunciar uma única palavra! Bastava-nos olhar para as tuas caricaturas para desatarmos a rir e de cada vez que olhávamos para elas, encontrávamos sempre novos motivos de riso.

Sempre foste de poucas palavras, mas, em compensação, tinhas um poder de observação fotográfico que, mais tarde, transferias para os teus diários. Eu ficava admirada com este teu dom e perguntava-me como é que o Mário consegue reter na sua memória tanta coisa e com tantos detalhes que ele mostra nos seus desenhos? Só um génio ou uma pessoa privilegiada o consegue e tu eras um privilegiado nesse aspecto e eu sempre te admirei muito por isso.

As tuas caricaturas são de um realismo tal, que as pessoas por ti caricaturadas parecem seres vivos em miniatura, prontos a saltar do papel para o nosso colo! E a semelhança é de tal ordem, que podem ser facilmente reconhecidas e identificadas, mesmo tratando-se de desconhecidos…

Imagens: www.mariodemiranda.com

A propósito vou contar um pequeno episódio passado comigo. Havia um senhor cujo nome não me ocorre agora, mas que podemos chamar o senhor ABC e que tu representavas nas tuas caricaturas com uma certa frequência. Um belo dia em que eu estava em Damão fui visitar a senhora Dona Bolina, a tua avó materna e, qual não foi o meu espanto, quando eu ia a entrar e vi sair de lá esse tal senhor, que para mim era um ilustre desconhecido! Não resisti à curiosidade e perguntei-lhe se ele era, por acaso, o senhor ABC. E ele respondeu-me: “Sou!” e, acto contínuo, com um ar muito espantado, perguntou-me de onde é que eu o conhecia ao que lhe respondi que era do Diário do Mário!

Lina*

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* Maria Carolina Miranda Bordadágua nasceu em Pangim, Goa, em 1925, e ora vive em Lisboa. Fez o curso no Liceu Afonso de Albuquerque em Goa e o BA em Bombaim. Foi Professora de Português, Inglês e Francês no Liceu Nacional Afonso de Albuquerque. É viúva do Coronel do Exército António da Graça Bordadágua e mãe de Luís Filipe Miranda Bordadágua e de Maria Margarida Miranda Bordadágua.


Reconhecimento: Artigo publicado na Revista da Casa de Goa, Série II, No. 12, Set-Out 2021.