Editorial

Esta edição da nossa Revista é uma mescla de memórias e expectativas. Reflectimos sobre o que fomos, somos e podemos vir a ser. Aliás, o hábito de pensar foi sempre uma marca da nossa sociedade, tanto em Goa como na diáspora. E isso se torna premente na hora que passa, por razões que, pelo menos em parte, estão elucidadas por José Maria Miranda, no artigo ‘Elections in Goa’, e por Leslie St Anne, em ‘Cry, my beloved Goa’, título que lembra o dum famoso romance sul-africano, situado no prelúdio do apartheid.

Este ano, a chuva da monção (ilustrada pela nossa capa) como que prenunciou a nomeação de monsenhor Filipe Néri António Sebastião do Rosário Ferrão, Arcebispo de Goa e Damão, para o cardinalato. A notícia caiu como maná sobre essa Arquidiocese de tradições pluricentenárias, cujo titular justamente goza do título honorífico de Patriarca das Índias Orientais, existente desde o ano de 1886, e oxalá assim continue. Na verdade, como se explica que da minúscula Goa tenha saído um número bem significativo de Cardeais? É pergunta que faz o nosso editor associado José Filipe Monteiro, tornando-se, portanto, obrigatória a leitura do seu artigo intitulado ‘Goa e os Príncipes da Igreja’.

Ainda quanto às tradições de Goa, uma delas é a Mudança. Não se trata de transição política (embora esteja a tornar-se rotineira), mas, sim, de como nos tempos que já lá vão se passava as férias, nos campos e nas praias em Goa: falam delas Gabriel de Figueiredo, Saadia Furtado e Fausto Collaço, no podcast de Renascença Goa, nosso novo parceiro editorial. É assunto agradabilíssimo, como também o é esse renovado interesse que se nota, em Goa, pela música portuguesa, nomeadamente, o Fado. Este é cantado a todo vapor por jovens como Shrusti Prabhudesai que, de facto, pouco ou nada sabem da mudança de regime político que se operou na sua terra há sessenta e um anos.

É aconselhável, porém, que as novas gerações saibam toda a verdade histórica. É sinal de sociedade democrata e vibrante. Nesse contexto, é oportuna a apresentação de um opúsculo centenário, intitulado ‘Os [H]Indus e a República Portuguesa’, da autoria do Juiz António de Noronha, que foi Presidente da Relação de Goa. Foi um livro muito controverso, e, ora traduzido por Ave Cleto Afonso, continua a sê-lo. Entretanto, o recenseador José Filipe Monteiro diz de sua justiça: a verdade, sem exageros.

Se um livro pode marcar uma geração, muito mais se dirá de um indivíduo ou grupo de pessoas. E é louvável quando se trata de gente que se esforçou no sentido de fortalecer, e nunca deixar ruir, a nossa sociedade. Nesse sentido, destacamos duas figuras, uma de antanho e outra da contemporaneidade: a de Albino Pascoal da Rocha, médico, que morreu ao serviço da Pátria, em Moçambique, pela pena de Mário Viegas; e a de Júlio Aguiar, activista social e ambiental que cedo pagou o tributo à Natureza, e ao qual Francesca Cotta presta homenagem.

De entre crónicas, temos ainda ‘The Miracle Boy’, em que António Gomes relata com saudade um acontecimento da sua infância. E em ‘On a sentimental journey’, Ralph de Sousa lança um olhar nostálgico sobre as embarcações chegadas a Goa das sete partidas do mundo. E falando ainda de mar, Júlia Serra, na sua crónica intitulada ‘Figuração do Mar na literatura e nas viagens no Oriente’, refere-se ao ‘Oriente, tradicionalmente tão desejado, apesar das dificuldades de navegação “por mares nunca dantes navegados”.’ E remata essa secção a crónica hilariante de Radharao Gracias: ‘What’s in a name?’ Tudo isso a não perder!

Ora, temos duas novidades que valem por deliciosa sobremesa: o nosso editor associado Valentino Viegas traça o perfil de ‘Ave Cleto Afonso: um fervoroso defensor de Kônkânní’, apresentando uma publicação deste (‘Kônkânní – a língua de Goa e a alma do seu povo’), que valeu como ‘brado’ no quinquagésimo quinto aniversário do Opinion Poll, o crucial escrutínio de opinião que se realizou em Goa, no ano de 1967. É uma efeméride que urge comemorar, de modo especial, na hora que passa!

Temos ainda mais uma novidade em forma de livro: Once upon a time in Goa, da autoria de Joaquim Correia, um português apaixonado pela investigação musical nas antigas colónias portuguesas, o qual ora se debruça sobre a música e dança em Goa e na diáspora. E temos ainda a companhia do Poeta Roque Bernardo Barreto Miranda e a sua Enfiada de Anexins Goeses, da qual respigámos uma dezena de adágios e rifões. Duas obras que nos podem acompanhar no café da manhã, ou no serão da tarde à indo-portuguesa!

Com toda essa mescla de memórias e expectativas ficam também os nossos votos de boa leitura, nos dias de chuva ou de sol, dependendo de onde nos encontramos na diáspora!

Revista da Casa de Goa, Serie II, No. 17, Julho-Agosto de 2022