Editorial*
Enquanto vos saudamos pelo Ano Novo, também vos agradecemos o apoio à Revista da Casa de Goa, que traz novidades, também na presente edição!
Neste número é inaugurada uma secção de Arte, com a colaboração de três residentes de Goa, os primeiros dois oriundos da União Indiana: Payal Kakkar, artista fotográfica, que explora temas desde o património arquitetónico até a paisagem e conservação do meio ambiente; Girish Gujar, aguarelista e professor de arte; e Clarice Vaz, que ora passa a ser nossa colaboradora residente. A todos três, as nossas boas-vindas!
Ao exímio trabalho desses três artistas que focam o legado artístico de Goa juntam-se, sem ter sido este o intuito, dois dos nossos colaboradores regulares, Francisco da Purificação Monteiro, que disserta sobre as igrejas de Diu, as quais apelida de “património esquecido, em grande estado de degradação”; e Mário Viegas, que se refere à casa de um dos mais célebres Deputados às Cortes Portuguesas, Francisco Luís Gomes: “um imóvel quase abandonado”. São como que as últimas novidades da cultura luso-indiana.
Esse estado de coisas leva-nos a questionar a política cultural dos dois países, a Índia e Portugal. Deixemos por ora a gerência interna e falemos do intercâmbio: teriam sido sinceros os Acordos assinados pelas duas partes? Continua a haver a necessária vontade política na execução das multifárias convenções? Porque tanta assincronia a causar choques culturais? É claro que urge repensar as iniciativas oficiais, sendo ainda mais importante atentar ao nosso modo de pensar, e, em particular, aos princípios e opiniões dos nossos intelectuais ou académicos sobre o assunto em apreço.
Nesse sentido, é imprescindível a leitura do ensaio intitulado “Será a cultura GEM vítima de disparate académico?” Philomena e Gilbert Lawrence analisam discursos académicos rivais em relação à cultura colonial de Goa, East India e Mangalore (daí o acrônimo GEM), territórios outrora sob a égide de Portugal. Apontam para autores lusocêntricos, “que glorificam o imperialismo colonial e exageram o impacto colonial positivo no ethos dos nativos”; os indocêntricos, que “demonizaram o imperialismo colonial e exageraram seu impacto negativo nas práticas culturais dos nativos”; e os goanocêntricos, que “têm uma visão mais amena da colonização e descrevem os colonizadores como “benfeitores e pragmáticos”.
Num mundo globalizado em que não é estranho nutrir uma perspectiva mesclada, o livro intitulado Um estranho em Goa, do escritor angolano José Eduardo Agualusa, é objecto de um ensaio de Júlia Serra, que se surpreende com “esse registo cruzado de elementos, provenientes de culturas e histórias diferentes”; e fala de Goa na lusofonia, a qual continua “em reconstrução de uma identidade”, num caminho sem fim.
Temos ainda o ensejo de apreciar mais um ponto de vista sobre a relação luso-goesa, na crónica “Uma passagem por Portugal”, de Radharao Gracias, que, na sua primeira visita ao país nota paralelos com Goa e enaltece as qualidades dos dois povos que mutuamente se enriqueceram. Enquanto Gracias canta um hino ao Pastel de Nata, será que, para sobremesa, também vos ofereço “A Noiva”, um conto em concani, de Olivinho Gomes, em tradução de Óscar de Noronha? Mas, cautela, ficou comigo “a imagem triste dessa eterna noiva que nos tempos que já lá vão foi tão bela: ela destroça-me o coração e me persegue eternamente”.
Se, por um lado, visitantes goeses encantam-se com Portugal, por outro, duas crónicas nesta edição indicam como os emigrantes goeses se comovem quando de visita a Goa. Armand Rodrigues, que do longínquo Canadá visitou a terra dos seus antepassados, descreve um resort único em Goa, o qual tem à testa “um goês que se mudou conscientemente do seu lar adoptivo em Vancouver para a casa ancestral de sua família, transformando-a em um jardim do Éden em miniatura”. Queiram conhecer esse local idílico em Loutulim, aldeia no sul de Goa; e depois, “vagueando pelas terras do Norte”, na companhia de Mário Viegas, conheçam, entre outros locais, Arambol, uma das praias do hipismo, e o histórico Forte de Tiracol.
Na “Rota aérea para o Paraíso”, desfrutamos de uma vista panorâmica de Goa dos anos sessenta: através dos olhos de Ralph de Sousa, testemunhamos o boom do turismo, a chegada dos hippies e de voos fretados vindos da Europa directamente para o aeroporto de Dabolim, no concelho de Mormugão, o qual, diga-se de passagem, com a vinda do novo aeroporto em Mopa, no concelho de Perném, está a viver os seus últimos dias.
Na secção de entrevistas, Ruta Vedpathak Borkar conversa com cinco goeses que estudaram na Universidade de Puna, dantes conhecida como a Oxford do Oriente. E, para terminar, a secção de Notícias fala-nos das actividades do Ekvat, grupo de danças e cantares da Casa de Goa; de um lançamento de livro da autoria de Francisco Xavier Valeriano de Sá, sócio da Casa de Goa; e de “O Clube”, documentário da autoria de Nalini Elvino de Sousa e Pedro Pombo, o qual retrata a vida da diáspora goesa na Tanzânia. Aproveitamos para vos pedir mais informações sobre o que se passa na vossa área de residência ou de trabalho, sobre a temática Goa-Portugal. E continuemos a reflectir sobre os caminhos que poderá vir a percorrer a cultura luso-goesa.
* Texto revisto. Publicado na Revista da Casa de Goa, Serie II, No. 20, Jan-Fev 2023
Editorial*
Let me extend New Year greetings to all you dear readers and thank you wholeheartedly for supporting Revista da Casa de Goa, which comes to you with news and views in yet another edition!
This issue carries an Art section, thanks to the collaboration of three residents of Goa, the first two being settlers here: Payal Kakkar, a photo artist exploring themes ranging from architectural heritage to landscape and environmental conservation; Girish Gujar, watercolourist and art teacher; and Clarice Vaz, who is now a resident contributor. To all three, a hearty welcome!
Unwittingly, these three excellent artists who focus on the artistic legacy of Goa are joined here by two of our regular writers, Francisco da Purificação Monteiro, who writes about the churches of Diu, dubbing them “forgotten heritage, in a great state of degradation”; and Mário Viegas, who refers to the “almost abandoned property” of one of the most famous of the Goan Deputies to the Portuguese Parliament, Francisco Luís Gomes. They are like the latest shocks of Luso-Indian culture.
This state of affairs leads us to wonder about the cultural policy of India and Portugal. Leaving aside their domestic policies for the moment, let us talk about their high-level exchanges: how sincere were they when they signed agreements? Is there still that much-needed political will to implement those varied conventions? Why the asynchrony causing culture shocks? It is imperative to reassess official initiatives, and even more so, pay attention to our rationale, and, in particular, to the principles by which our intellectuals or academics are guided and the opinions they hold on the subject.
In this regard, the essay titled “Is GEM culture a victim of academic baloney?” is vital. Philomena and Gilbert Lawrence analyse rival academic discourses on the colonial culture of Goa, East India and Mangalore (hence the acronym GEM), territories once under the aegis of Portugal. They point to Lusocentric authors, “who glorify colonial imperialism and exaggerate the positive colonial impact on the natives’ ethos; Indocentric authors, who “demonized colonial imperialism and exaggerated its negative impact on the natives’ cultural practices”; and the Goacentric authors, who “have a kinder view of colonization and describe the colonizers as “benefactors and pragmatic”.
In a globalized world where it is not strange to nurture a mixed perspective, the book entitled A Stranger in Goa, by the Angolan writer José Eduardo Agualusa, is the subject of an essay by Júlia Serra. She is surprised by “this cross register of elements, coming from different cultures and histories”; and speaks of Lusophone Goa, now on the endless path of reconstructing its identity.
We also have the opportunity to appreciate another point of view on the Luso-Goan relationship, in “A Passage through Portugal”, by Radharao Gracias. On his very first visit to the country, he notes parallels with Goa and praises the qualities of the two peoples that have mutually enriched each other. While Gracias sings a paean to Pastel de Nata, for dessert may I also offer you “A Noiva”, a short story in Konkani, by Olivinho Gomes, translated into Portuguese by Óscar de Noronha? But, please note, “the sad image of that eternal bride who in times gone by was so beautiful remained with me: she breaks my heart and haunts me eternally”.
If, on the one hand, Goan visitors are enchanted by Portugal, on the other hand, two features in this issue show how Goan emigrants are moved on their visit to Goa. Armand Rodrigues, who from faraway Canada visited the land of his ancestors, describes a unique Goan resort headed by “a Goan who has consciously relocated from his adopted home in Vancouver, back to his ancestral family home, which he has transformed into a miniature garden of Eden.” Please visit this idyllic spot in Loutulim, a village in South Goa; and then, “wandering through the North”, in the company of Mário Viegas, you will get to know, among other places, Arambol, a public bathing beach, and the historic Fort of Tiracol.
In “Skyway to Paradise”, we enjoy a panoramic view of Goa: through the eyes of Ralph de Sousa, we witness “the tourism boom that started in the early sixties, with hippies coming and followed by chartered flights arriving from all over Europe directly to Dabolim airport,” situated in the taluka of Mormugão; which, with the coming of a new airport at Mopa, in Pernem taluka, is now on its last legs.
In our Interview section, Ruta Vedpathak Borkar chats with five Goans who studied at the University of Poona, once known as the “Oxford of the East”. And in the News section we hear about the activities of Ekvat, Casa de Goa’s song and dance group; a book launch by Casa de Goa associate Francisco Xavier Valeriano de Sá; and “O Clube”, a documentary by Nalini Elvino de Sousa and Pedro Pombo, which portrays the life of the Goan diaspora in Tanzania. We take the opportunity to ask you for more information about what is going on in your area of residence or work, focussed on the Goa-Portugal theme. And let us continue to reflect on the paths that Luso-Goan culture could eventually take.
* Revised text. First published in Revista da Casa de Goa, Series II, No. 20, Jan-Feb 2023
Os acordos assinados são para o inglês ver e eles são também apenas para satisfazer o seu objetivo político momentâneo tal como dizia uma personalidade indiana : I agree to disagree afterwood. E a medida que o tempo passa muita cultura GEM irá desaparecendo por negligência humana e silenciosamente ela irá sendo suprimida. A cultura GEM pode ser uma riqueza para a Índia mas esta estará conciente disso ou o seu nacionalismo e vontade de unificação territorial leva-a a afasta-la à medida que os anos vão passando ? Além disso não basta apenas manter como uma cultura apenas material ou morta tal como os corpos no cemitério. É preciso que a língua que lhe deu origem seja concomitantemente salvaguardada e cuidada. Os jogos da Lusofonia aí realizados é o exemplo disso onde se viu que os participantes da Goa, India, eram todos anglófonos, pois a língua portuguesa apenas marcou a sua presença graças a um homem só que com todo o seu sacrifício foi traduzindo para lusofonia e aos lusófonos as atividades realizadas ao longo da duração dos jogos da lusofonia em Goa.