É realmente uma questão de vida e morte. Surgem nas leituras de hoje todas as questões com que nos deparamos quando pensamos na vida – incluindo a questão da morte. A vida e a morte estão tão indissociavelmente ligadas que diríamos que a morte é um dos grandes acontecimentos da vida. E, para nós, cristãos, é uma questão de esperança, pois faz da morte uma vírgula, não um ponto final; a vida continua quando atravessamos para a outra margem, onde nos espera a visão beatífica.

É, pois, muito simbólico que Jesus, no texto evangélico (Mc 5, 21-43) de hoje, tenha atravessado de barco para a outra margem, tendo aí entrado Jairo, que outrora procurara Jesus no caso do centurião romano. Desta vez, temia pela sua filha, que estava à beira da morte. O chefe da sinagoga caiu aos pés de Jesus, admitindo assim a divindade do Mestre. De facto, quando Jesus chegou a casa dele, a menina já tinha morrido. Por quê esse “atraso” da parte de Jesus? Não só os discípulos acharam inútil que Ele fosse a casa de Jairo, como até o povo se riu d’Ele por ter dito que a criança “não morreu, está a dormir”.

Claro, o Autor da Vida é que sabia melhor. Disse: “Talitha, cumi: Menina, Eu te ordeno: levanta-te!” e a menina de doze anos ergueu-se e começou a andar. Observa o Evangelista como todos “se encheram de pasmo”… Também connosco se passa isto, porém, receamos falar da morte, como se ela fosse o fim e não a continuação da vida! Ignoramos a exortação de Jesus, “Não tenhas receio. Crê somente”, e por vezes não acreditamos; mas nem por isso deixamos de temer. Não é de admirar que pensamentos horríveis nos assaltem.

O poeta britânico Wilfred Owen, inquietado com a morte na guerra de um jovem colega soldado, escreveu “Futility” (Futilidade). Eis a sua pergunta: “Foi para isso que o barro tomou forma?” Sim, humanamente falando, é natural querer afastarmos da morte; por outro lado, como podemos deixar de ver a sua inevitabilidade? Aceitá-la seria ganhar metade da batalha; e logo, vendo como a morte é certa, embora incerta a hora, começaríamos a confiar e a alegrar-nos no Senhor. Ele é o Alfa e o Ómega; o Caminho, a Verdade e a Vida. “Eu sou a Ressurreição e a Vida”, disse Ele, “aquele que crê em Mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11: 25-26). É por isso que, no Credo, afirmamos: “Creio… na comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne e na vida eterna”. Note-se: “Creio” e não “Temo”!

Esta é a Boa Nova da Salvação, a verdadeira sabedoria. E a Primeira Leitura, tirada do Livro da Sabedoria (1, 13-15; 2, 23-24) esclarece que “não foi Deus quem fez a morte, nem Ele se alegra de os vivos perecerem… Deus criou o homem para ser incorruptível e fê-lo à imagem do que Ele é em Si mesmo. A morte entrou no mundo pela inveja do demónio, e os seus partidários sentem-lhe os efeitos”.

Ou seja, Deus não destinara o homem para a morte; contrária aos planos de Deus Criador, entrou no mundo através do Pecado Original. (Cf. Catecismo n.º 1008). Essa obra dos nossos primeiros pais trouxe-nos indescritíveis sofrimentos. Sem dúvida, há muito de bom no mundo, mas também muito sofrimento; por isso, a morte não deixa de ser um alívio – “um remédio”, como lhe chama Santo Ambrósio!

No entanto, tal como Job, estamos sempre perante a questão da vida e da morte. Dada a nossa fraqueza, não conseguimos lidar com ela com confiança. Por isso, o melhor seria fazer um balanço positivo, louvar a Deus e confiar mais Nele do que no mundo. Em cada momento da nossa vida, Ele resgata-nos do mal, como fez com a mulher hemorrágica do Evangelho, a qual tocara nas suas vestes com profunda fé. Temos de admitir que, com o pecado, a ingratidão se insinuou na natureza humana: cega-nos para a verdade, porém, como diz o Salmo, é Deus que nos ajuda sem cessar e converte o nosso luto em exultação.

O segredo de uma vida sábia e feliz reside, portanto, em acreditar e confiar no Senhor que fez o Céu e a Terra; e em socorrer os nossos irmãos menos afortunados, preocupando-nos pelo seu bem material e espiritual. São Paulo, na Segunda Leitura (II Cor 8: 7, 9, 13-15), sublinha que a nossa riqueza na fé, na eloquência, no conhecimento da doutrina, em toda a espécie de atenções e na caridade deve ser acompanhada da generosidade. De Nosso Senhor diz que, “Ele, que era rico, fez-se pobre por vossa causa, para que vos tornásseis ricos pela sua pobreza”.

Não importa coisa alguma do que possa parecer contradição para os sábios deste mundo; devemos é evitar que os nossos pensamentos sejam terrenos. De facto, para nós, que acreditamos n’Ele, a zombaria ou a pobreza que sofremos é garantia da bem-aventurança e das riquezas que um dia viremos a gozar. Quando morremos para o mundo, nascemos para o Céu. É literalmente uma questão de vida e morte.