Mário Miranda (a quem adiante tratarei por tio Mário) era irmão de meu pai Pedro Miranda e de Fátima Miranda Figueiredo, minha tia. Três Irmãos, todos eles especiais.

Vivendo eu na Parede, Portugal, e eles (os meus tios e avó), em Goa, só os conheci por volta dos sete ou oito anos. A distância era grande e, na altura, as viagens não eram tão populares como agora.

Mário, Fátima, Pedro, Avó e Mãe

O tio Mário viera para Lisboa como bolseiro da Fundação Gulbenkian. O primeiro encontro ao vivo com o tio Mário foi para mim inesquecível. Quando o vi ali sentado na sala ao lado do meu pai, fiquei desde logo encantada. Parecia que já o conhecia, tantas foram as histórias contadas pelo meu pai, os cartoons e as fotografias que ele nos mostrava. Mas o que mais me impressionou foi o seu olhar sorridente e penetrante, que parecia ver mais além.

Era naturalmente com este olhar que o tio Mário olhava o mundo. Sem malícia e sem sarcasmo conseguia que as pessoas se rissem de si próprias e do que as rodeia. Como o ouvi afirmar numa entrevista: “I don’t laugh at people, I laugh with people”.

Nesse primeiro encontro o tio Mário foi parco em palavras. Mas rapidamente fez uma caricatura de mim e da minha irmã, cada uma a servir uma chávena de chá fumegante que tínhamos acabado de lhes trazer. Destacando os nossos traços menos favoráveis, o desenho era hilariante.

O tio Mário partiu então para o seu périplo europeu mas continuei a acompanhar os seus trabalhos à distância.

Quando a coleção de cartoons Laugh It Off foi publicado, este tornou-se um dos meus livros favoritos. Não só me fazia rir, com os diferentes tipos e personagens que criava como me dava a conhecer realidades diferentes e distantes. O tio Mário era de facto exímio na apresentação pormenorizada e meticulosa de quadros sociais de um país tão diverso como a Índia.

Ainda hoje essa primeira edição do livro, muito usado e bastante danificado, faz as delícias dos meus netos.

Foi por isso que, por sugestão da minha neta Maria Rita, a altura com 5 anos, e a pedido da sua professora Ana que, em 2019, fiz uma apresentação de desenhos do tio Mário na sala dos 5 aos do Patronato de Santo António de Beja. Foi um sucesso.

As crianças ficaram entusiasmadas e fizeram trabalhos sobre o autor a quem já chamavam tio Mário.

Contei-lhes que o tio Mário era de poucas falas, que comunicava antes através dos seus desenhos e que desde pequeno fazia desenhos nas paredes até que a sua mãe lhe comprou um caderno a que chamou de “Diário”. Nunca mais se esqueceram do tio Mário.

Estes foram os desenhos que eles mais gostaram!

Mas o longo percurso artístico do tio Mário não se limitou aos cartoons e desenhos. Procurou formas artísticas mais profundas de representação do que via à sua volta. Veja-se, por exemplo, as ilustrações de cidades e ambientes que conheceu, como em Winter in Germany, as imagens de Nova Iorque, Paris, Japão ou Lisboa. Conseguia sobretudo captar a essência, a alma dos sítios por onde passava.

Durante uma curta estadia em Baleizão, no Alentejo onde moro, deu um passeio a pé, à noite e, mais tarde, pintou o quadro que ele me ofereceu e apresento ao lado. Quem conhece Baleizão percebe que ele não só viu como sentiu Baleizão e captou a sua alma.

Muito ficou por dizer sobre o homem e sobre o artista genial e cativante que era Mário Miranda de quem tenho as melhores memórias e uma enorme saudade.

Maria Luisa Miranda de Castro e Brito *


* Professora, Licenciada em Filologia Germânica e  Pós-graduada em Estudos Culturais e Estudos Americanos