“My language has never let me down,“ says Writer Damodar Mauzo
“A minha língua nunca me decepcionou,” disse o escritor Damodar Mauzó.
Reportagem de Brian de Souza | Traduzido do inglês por Óscar de Noronha*
No seu discurso de aceitação do galardão Jnanpith, Damodar Mauzó discorreu sobre as suas inspirações criativas; sobre o que lhe representa o concani; e a necessidade de criar uma atmosfera que garanta a liberdade de expressão.
“Inspiro-me na minha terra natal, no meu povo e na minha língua”, disse Damodar Mauzó no seu discurso de aceitação do prestigiado prémio literário Jnanpith que lhe foi conferido, relativo ao ano de 2022.
Mauzó recebeu o galardão após a leitura da citação, numa cerimónia muito concorrida, realizada no Raj Bhavan, residência oficial do governador de Goa, P. S. Sreedharan Pillai, em maio de 2023.
“Na expressão das minhas ideias, a minha língua nunca me decepcionou”, reiterou Mauzó, de 78 anos, no seu discurso. Essas palavras captaram a essência da sua longa caminhada com a língua concani, que disse que ama e a qual, “por sua vez, muito me ama”.
Então, por que escreve Mauzó? Disse sucintamente: “Escrevo porque tenho algo diferente a contar e/ou a contar algo diferentemente”.
É apenas o segundo escritor da língua concani a receber este prémio; o primeiro foi o falecido Ravindra Kelekar, quem Mauzó cortesmente reconheceu como seu mestre. Kelekar liderou o movimento literário goês no pós-1961.
A obra literária de Mauzó é vasta e inclui vários géneros. Na sua carreira de 50 anos, publicou 6 colecções de contos, quatro romances, dois esboços biográficos, livros infantis e um grande volume sobre a saga do concani, no qual descreve as dificuldades sofridas à conta dos sequazes da língua durante o regime colonial português.
Mauzó publicou a sua primeira colecção de contos, Ganthan, em 1971, porém, foi só em 1983 que alcançou fama pelo país inteiro, com o romance Karmelin, sem dúvida, a sua obra mais conhecida, com a qual venceu o prémio da Sahitya Akademi. Nesse romance, Mauzó destaca as lutas de uma goesa que, para o seu ganha-pão, se desloca para o Médio Oriente. Escrito no auge da emigração goesa para o Golfo Pérsico, foi bem recebido e traduzido para 14 idiomas. É uma obra seminal sobre a experiência goesa nessa parte do mundo.
Dizendo-se um leitor voraz, Mauzó também prestou homenagem, entre outros, a escritores como Mahasweta Devi, José Saramago e M. T. Vasudevan Nair, os quais disse admirar. Também reconheceu a influência de Saratchandra Chattopadhyay, escritor bengali, que, segundo Mauzó, falou da sua dívida para com os necessitados (“suas lágrimas e desamparo”), que dão tudo, mas não recebem nada, e de Charles Dickens, que citou para “afirmar a sua crença (de Mauzó) no amor e na compaixão”.
A musa criativa de Mauzó foi sempre o homem comum goês, retratado tão eloquentemente no romance Karmelin, enquanto os temas das suas obras incluem o género, a casta, a religião e outros aspectos da condição humana. Como parte desses temas, a sua obra investigou a migração, o turismo e a mineração, que até hoje têm relevância em Goa, pois são questões debatidas no domínio público.
Mauzó referiu-se ao percurso literário do concani que, segundo ele, “sofreu golpes tremendos às mãos da sua história”. Isso também é algo que ele experimentou em primeira mão como membro do comité director do Konkani Porjecho Awaz (Voz do Povo Concani) de Goa, pois sofreu várias pauladas da polícia enquanto se debatia para que o concani viesse a ser conferido o estatuto de idioma oficial.
Enquanto as suas realizações literárias o colocaram sob os olhares da opinião pública, a sua paixão pela liberdade de expressão também veio a conferir-lhe grande projecção quando veio à tona uma ameaça à sua vida, após o assassinato da jornalista-activista Gauri Lankesh. Mauzó era então dirigente do Dakshinayan Abhiyan, um movimento lançado contra a discriminação de castas e ataques à intelectualidade e ao racionalismo.
Nada disso teria diminuído o espírito de Mauzó, pois continua a escrever e aparecer regularmente em festivais literários, incluindo o GALF (Festival de artes e literatura de Goa), do qual ele é co-fundador e co-curador.
Nascido em 1944 na Goa portuguesa, ora Estado da Índia, Mauzó fez os seus primeiros estudos, até o primeiro grau, em português, conjuntamente com os estudos primários em marata, tendo depois ido para Bombaim, onde se formou pelo PA Podar of Commerce. Começou a escrever no final da adolescência e continua a fazê-lo, não conhecendo outra ocupação além da loja que dirigia até recentemente.
Era mesmo de esperar que, ao encerrar o seu discurso, Mauzó, ou Bhaiee, como é carinhosamente apelidado esse lutador apaixonado pela liberdade de expressão, se pronunciasse sobre esse direito humano vital. Servindo-se da analogia das rodovias, que ora estão a ser construídas pelo país, afirmou que também há necessidade de “uma rodovia que suavizará o ritmo acelerado da literatura, eliminando obstáculos mentais dos escritores, fortalecendo as pontes de traduções e criando uma atmosfera encorajadora para a liberdade de expressão”.
* Publicado na Revista da Casa de Goa, Lisboa, No. 23, Serie II, Julho-Agosto de 2023, pp 45-48 https://rb.gy/8qj52