Por que é que Jesus, no Evangelho de hoje (Mc 6, 1-6), diz: “Um profeta só é desprezado na sua terra, entre os parentes e em sua casa”?
Depois de ter deixado a casa de Jairo (ver o Evangelho do domingo passado), Jesus empreendeu uma missão pela Galileia, pregando em todas as pequenas aldeias daquela terra. Foi para a sua antiga casa em Nazaré e, no sábado, começou a pregar na sinagoga. Infelizmente, foi recebido com frieza. Em vez de apreciarem e agradecerem a Deus a dádiva do seu divino conterrâneo, os nazarenos menosprezaram-no, dizendo: “Não é Ele o carpinteiro, Filho de Maria e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? Não vivem aqui entre nós as Suas irmãs?
Quando as pessoas de bem são rejeitadas, isso pode acontecer por simples falta de seriedade ou por malícia do outro lado. Ou não os damos importância ou os invejamos. Consideramo-los iguais a nós, nada melhores do que nós. Parecem-nos vulgares, incapazes de fazer algo de bom. E quanto melhor os conhecemos, mais provavelmente acharemos neles alguns defeitos. Em suma, olhamo-nos com desdém, pois santo de casa não faz milagre.
Essas situações são muito dolorosas, mas são os caminhos do mundo, dos quais não há melhor resumo do que as palavras do Divino Mestre. Note-se, no entanto, que, enquanto S. Marcos usa uma dupla negativa em “Um profeta não é sem honra, exceto na sua terra…”, S. Mateus (13: 57) diz directamente: “Um profeta só é desprezado na sua pátria e em sua casa”.
Já reparou como os bem-intencionados são alvo de escrutínio enquanto os enganosamente agradáveis são colocados num pedestal? Foi o que aconteceu no tempo do profeta Ezequiel, que foi enviado ao povo de Israel, uma nação de rebeldes, impudentes e teimosos, que muitas vezes se tinham voltado contra Deus. No entanto, Deus, no seu infinito amor e misericórdia, não os abandonou; enviou-lhes o seu profeta, quer ouvissem ou não. Um dia, aperceber-se-iam de que no seu meio haviam tido um profeta.
Ao longo dos tempos, centenas de santos enfrentaram a rejeição da família e de amigos. De facto, muitas vezes Deus permite que sejamos testados desta forma; é como o ouro a passar pelo fogo da purificação. Diz o falecido escritor brasileiro, Professor Plínio Corrêa de Oliveira: “Porém, Ele costuma provar a confiança de seus servos. Quando isto lhe acontecer, não se suponha abandonado… Quando tudo parecer perdido ou comprometido, aí virá a solução”.[1]
Qual deve ser a nossa atitude numa situação destas? Temos de estender a mão aos outros, no que for preciso. Como diz o mesmo zeloso escritor católico na sua Via Sacra: “Em meu apostolado, Senhor, deverei continuar mesmo quando todas as minhas obras estiverem por terra, mesmo quando todos se conjugarem para atacar-me, mesmo quando a ingratidão e a perversidade daqueles a quem quis fazer bem se voltem contra mim”.[2]
É este também o espírito de São Paulo que, na Segunda Leitura de hoje (2 Cor 12, 7-10), afirma: “É, pois, da melhor vontade que porei a minha glória sobretudo nas minhas fraquezas, para que a força de Cristo se estabeleça em mim. Por amor é que sinto prazer nas fraquezas, nas afrontas, nas adversidades, nas perseguições e nas angústias sofridas por Cristo. Pois, quando me sinto fraco, então é que sou forte”.
São esses os verdadeiros profetas. Do mesmo modo, todos nós que recebemos os dons baptismais de sacerdote, profeta e rei, não devemos fazer concessões baratas, seja nas nossas conversas, nas nossas escolhas, no nosso vestuário, na companhia que mantemos, naquilo que pensamos e ensinamos. Não devemos desnaturar a Igreja e, com a nossa conduta, dar a entender que já não há nada de sagrado. Por fim, não devemos ter sentimentos de desprezo ou inveja, pois alguém pode muito bem ser uma dádiva de Deus.
Dito isto, devemos apenas estar atentos aos frutos que uma pessoa produz, pois, muito tragicamente, há aqueles que distorcem a natureza do mandato evangélico, fogem às suas responsabilidades e, pior ainda, dão contra-testemunho e escândalo de mau exemplo. Sobre eles, Jesus fez esta advertência: “Acautelai-vos dos falsos profetas, que se vos apresentam disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos vorazes”. (Mt 7, 15)
O Papa Paulo VI, na sua Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi, afirma: “O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, dizíamos ainda recentemente a um grupo de leigos, ou então se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas… Será pois, pelo seu comportamento, pela sua vida, que a Igreja há de, antes de mais nada, evangelizar este mundo; ou seja, pelo seu testemunho vivido com fidelidade ao Senhor Jesus, testemunho de pobreza, de desapego e de liberdade frente aos poderes deste mundo; numa palavra, testemunho de santidade.” (EN n. 41)
Assim, o verdadeiro desafio atual é separar o trigo do joio e discernir o verdadeiro profeta. Se este não marcar pela autenticidade, a maré passará da admiração e da simpatia à incredulidade e/ou à rejeição, e por ela não serão responsáveis nem Deus nem o povo, mas o tal profeta.
[1] https://www.pliniocorreadeoliveira.info/OUT_001960_conselhosvidaintelectual.htm
[2] https://www.pliniocorreadeoliveira.info/1951_003_CAT_Via_Sacra_CAT.htm