Nas leituras de hoje, vemos os primórdios do ministério cristão. Este tinha por trás o peso de uma tradição plurissecular traçada originariamente para o povo eleito. Israel, porém, não correspondeu ao chamamento e, por isso, Deus enviou à terra o seu Filho único para cumprir a sua missão, pois “O mesmo sucede à palavra que sai da minha boca”, diz o Senhor, “não voltará para mim vazia, sem ter realizado a minha vontade e sem cumprir a sua missão” (Is. 55: 11).

Na Primeira Leitura (Am 7: 12-15), vemos Amós, pastor de ovelhas e produtor de figos de sicómoro, de Teqoa, opor-se às instruções do sacerdote idólatra do templo, Amazias, para fazer vista grossa à arrogância e à injustiça do rei Jeroboão II. Em vez disso, Amós denuncia esses males. No santuário real de Betel, então, acusam-no de conspiração política contra o rei. Amazias, saindo em defesa dos interesses da Coroa, proíbe Amós de profetizar contra Israel e expulsa-o da terra. É assim que o poder instituído actua contra Amós, que fazia questão de proclamar a Palavra de Deus em toda a plenitude.

A disputa de Amós com Amazias é fundamental para compreender não só a missão de Amós, mas a de todos os profetas. Não se trata apenas de uma página do passado, mas de um eco da realidade dos nossos dias. Quantos leigos e responsáveis eclesiásticos têm a coragem de defender a Igreja e a comunidade? Quantos de nós estão prontos a enfrentar indivíduos e governos, filosofias mundanas e correntes políticas? Quantos defendem os valores do Evangelho e anunciam a Palavra de Deus com liberdade, franqueza e sem medo?

No Evangelho (Mc. 6: 7-13), Jesus retomou o ponto em que o sistema judaico tinha parado, rejeitando o plano de Deus. Farto de chefes cobardes, ingratos e falsos, Jesus prepara a liderança apostólica. Não exige fanfarra, mas simplicidade; não procura dinheiro, mas dedicação; não haveria padrinhos, mas apenas Deus Pai. Chamou os Doze e enviou-os dois a dois, segundo o costume judaico, para que pudessem não só ajudar-se um a outro, mas também ser testemunhas segundo a lei.

No entanto, Jesus não se prendeu às leis do mundo, mas moveu-Se pela graça. Deu aos apóstolos poder sobre os espíritos impuros, exortou-os a não se ligarem a qualquer forma de mundanismo. Tal como Amós, que tinha deixado claro que não era um profeta “profissional” ou remunerado, Jesus “ordenou-lhes que não levassem nada para o caminho, a não ser somente um cajado; nem pão, nem saco, nem moedas na cinta; mas que fossem calçados com sandálias. E acrescentou: ‘Não leveis duas túnicas’”.

Jesus reforçou o espírito apostólico com directrizes ousadas. Quando os apóstolos chegassem a uma cidade, deviam procurar uma casa hospitaleira. Se um lugar não os recebesse ou se recusassem a ouvi-los, deviam sacudir o pó dos pés (um ritual que os próprios judeus praticavam quando regressavam de terras pagãs) “como testemunho contra eles”. Para Jesus, os judeus que não recebessem a Boa Nova eram de facto pagãos! E era um ‘testemunho contra eles’, no sentido de que só eles seriam responsáveis pelo julgamento que lhes sobreviria, mais terrível do que o de Sodoma e Gomorra.

Em outro lugar dos Evangelhos, temos uma lição de diplomacia resumida para nós, a Igreja contemporânea: “Envio-vos como ovelhas para o meio de lobos; sede, pois, prudentes como as serpentes e simples como as pombas” (Mt. 10: 16). Isto ensina-nos que os cristãos não devem comportar-se como gado a caminho do matadouro; e a Igreja deve deixar de se flagelar por acusações feitas fora do seu contexto histórico. Por isso: “Seja este o vosso modo de falar: Sim, sim; não, não. Tudo o que for além disto procede do espírito do mal” (Mt. 5,37). Ao mesmo tempo, recorda-nos S. Paulo: “Fiz-me fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para salvar alguns a qualquer custo” (1 Cor. 9: 22).

Por isso, os cristãos devem ser sábios, diligentes e viver da graça divina. O Apóstolo dos Gentios, na Segunda Leitura (Ef. 1: 3-14) de hoje, diz-nos muito particularmente que Deus nos escolheu ainda antes da criação do mundo, para sermos seus filhos adoptivos por Jesus Cristo, como aprouver à sua vontade e para a glória de Deus. Este verso é considerado um hino jubiloso a Deus pelo seu plano maravilhoso concentrado em Cristo e os seus Apóstolos. Assim, a gestão apostólica torna-se parte integrante do plano salvífico de Deus. Todos nós fazemos parte disto; todos nós somos apóstolos!