Pangim da minha infância

Nas décadas de 60 e 70 do século XX, a cidade de Pangim era a imagem da calma e doçura, simplicidade e decoro. Estendia-se da Rua de Ourém ao Hospital Militar (na direcção leste-oeste) e da avenida marginal ao Altinho e Batulém (na linha norte-sul). Como jardim à beira-mar plantado, a quem o suave Mandovi pautava o ritmo da vida, Pangim tinha uma identidade própria e um encanto muito seu.

Vivia eu no coração de Pangim, ao pé do antigo Palácio do Idalcão e sob o olhar hipnótico do Abade Faria. Raiava o nosso dia com o chilrear dos pássaros, seguido da sonora sereia do barco de Bombaim a atracar no cais da Alfândega. A essa hora, o vaivém apressado da multidão, a algazarra dos bagageiros e a buzina dos táxis na Avenida Vasco da Gama (hoje D. B. Marg) eram um chamariz para uma boa parte dos 40.000 pangimnenses ainda envoltos em sono; um impulso matinal para as suas tarefas, sobretudo a escolar.

Era como se o frenesi da metrópole indiana tivesse acabado de desembarcar na capital goesa! Essa onda pressurosa propagava-se um pouco por toda a parte, a começar pela Avenida Dom João de Castro e a Rua Afonso de Albuquerque (ora M. G. Road), as principais artérias, dominadas pela burocracia e pelo comércio. Com a partida daquele barco, no meio da manhã, a cidade voltava à calmaria; almoçava e dormia a sesta, e pelas 4,00 horas retomava a batalha quotidiana que só terminava por volta das 8,00 da noite.

Uma vivência orgânica, não muito diferente da do campo! À devida hora vinha à porta o pão e o peixe fresco; iam às compras os empregados domésticos, que se prezavam de ser íntegros, temendo não tanto a polícia como a Deus! O trânsito era ligeiro – motocicletas, bicicletas, até carroças, e automóveis, do popular Volkswagen ao luxuoso Cadillac. Estes eram os últimos abencerragens da bonança que resultara, paradoxalmente, do Bloqueio Económico de 1955, e ora simbolizavam o nosso cosmopolitismo.

Disse um escritor japonês que Pangim era a “most unIndian of all Indian cities.” Referia-se certamente à tradicional arquitectura indo-portuguesa, desprovida de arranha-céus e da imundície e do caos que caracterizavam os centros urbanos do subcontinente. Mas teria ele dado conta da arquitectura espiritual do povo? Este não era de grandes ambições e vivia numa mediania. O roubo era raro, e raríssimo o homicídio ou o suicídio. Não havia indícios de sectarismo ou de violência, pois reinava a consciência e a benevolência, ou aquilo a que chamamos munisponn: se à porta humildemente batesse alguém, sentava-se à mesa com a gente – como canta o fado; e no conforto pobrezinho do lar havia fartura de carinho, e bastava pouco para alegrar a existência do citadino.

Pois é, a cidadezinha daquela época tinha um só diário em português (O Heraldo) e em inglês (The Navhind Times); uma só emissora (a All India Radio); um só salão (o do Instituto Menezes Bragança), onde actuava a única academia de música; um único hotel de categoria (o histórico Mandovi); uma só loja de gelados (o Esquimó); um só restaurante sul-indiano (o Shanbhag); um único hospital geral (o da Escola Médica); um único cine-teatro (o Nacional); uma só livraria (a Singbal); uma única biblioteca de fôlego (a Central); uma só grande praça pública (o Azad Maidan); um só campo de jogos público (no Campal); um só amplo jardim (o Garcia de Orta), onde, à tarde, convergiam crianças e adultos, ficando aqueles a saltitar pelos canteiros e estes a conversar amenamente num canto.

Desse jardim guardo várias memórias: a da música executada no seu artístico coreto e a dos slogans – “Tujem mot konnank? – Don panank!” – que eu ingenuamente gritava, nas vésperas do Opinion Poll, em 1967. Lembro-me dos cafés e bares em redor e do jornal em cuja Redacção se ouvia um aflitivo dize-tu-direi-eu, nem por isso resolvendo os problemas da carestia e escassez, da pobreza e embriaguez, estas comuns, por sinal, no bairro pitorescamente denominado Tambddi Mati (Terra Vermelha), tanto por falta de asfalto nas ruelas como pelas lampadazinhas vermelhas nos alpendres!

Enfim, Pangim não era nenhum jardim de virtudes. Até pensara em mudar de cidade, por não suportar a insularidade e me sentir everybody’s business; mas em vez disso mudei de ideia, por recear que entretanto a cidade da minha infância se transformasse num pequeno Bombaim, e nós, em nobody’s business! Mas não havia remédio; a cidade estava já em franca expansão: as casas cediam o lugar a blocos de apartamentos; era construída uma ponte sobre o Mandovi e uma praça de automóveis no pântano do Pattó. Por outro lado, estava incompleta a rede de esgotos; havia falhas na electricidade, e era racionada a água canalizada. O ar era puro; mas ai que, na monção, Pangim de repente era Veneza!...

Ora, fui aprendendo a amar a cidade e a gente. Éramos poucos, éramos irmãos – e saudáveis as relações entre os vizinhos, independentemente dos seus credos. Naqueles tempos, os cavalheiros tiravam o chapéu às senhoras e paravam para dois dedos de conversa! Os baptizados, aniversários e funerais eram eventos de vulto. Não havia televisão; para dissolver o tédio bastava um passeio pela praia do Miramar ou de goddia-gaddi até ao Campal, ao pôr-do-sol. O arraial nas Fontaínhas, o desfile do Carnaval e os bailes nos clubes Nacional e Vasco da Gama vinham a seu tempo. Dir-se-ia o mesmo da Via Sacra; da procissão das velas que do Paço Patriarcal descia até ao ex-libris da igreja matriz; e das novenas e festas religiosas. De tudo isso nascia o espírito de família e a alegria de viver em Pangim.

No afrouxar forçado dos meses da covid-19, voltei a descobrir o rosto da minha cidade. Se em tempos nos faltavam coisas que os outros tinham em abundância, hoje, sentindo novamente aquela calma e doçura, simplicidade e decoro, vejo que nos não faltara nada…. Não admira, pois, que Pangim tivesse sido sempre a menina dos olhos de todos os que se prezavam de ser goeses!

Foto de Pangim, gentilmente cedida por Willy Goes

Publicado na secção portuguesa do magazine dominical do diário Herald


A Última Conversa com Percival Noronha

Numa tarde chuvosa (1 de Julho do ano passado), quando de súbito me lembrei do Sr. Percival Noronha[1], não hesitei em terminar a minha sesta dominical. Um distinto cavalheiro – culto, agradável, e que me estimava – daí a dias iria completar a bonita idade de 95 anos… Urgia, pois, falar com o grand old man de Pangim.

Quando liguei para a sua casa, ouvi logo um ‘Estou!’ inconfundível. Na linguagem do Sr. Percival, esse estar era o mesmo que estar disponível! ‘Pode o Óscar vir quando quiser’, disse com a amabilidade que o caracterizava. Estava sempre pronto para um papo, e desta vez seria como nunca dantes: radiodifundida na minha rubrica mensal, Renascença Goa… (https://www.youtube.com/watch?v=KRK2PimgTmo) Saí então rumo às Fontaínhas, acompanhado do meu irmão Orlando que trataria das fotos.

Era um prazer ir à residência do Sr. Percival (‘Ajenor’, nº E-426, à Rua Cunha Gonçalves). Também nos cruzámos, por centenas de vezes, em concertos, conferências, exposições de arte, e não menos em casamentos e funerais. Um senhor da velha guarda, era cumpridor dos seus deveres sociais e cívicos. Apesar da nossa diferença etária, a conversa corria como um rio de águas claras, pois o Sr. Percival era não só envolvente mas também apreciador dos méritos dos seus contemporâneos e estimulador dos talentos dos mais novos.

Por muito curioso que pareça, vi o Sr. Percival Noronha, pela primeira vez, no longínquo ano de 1969. Foi isso na sede do Governo, ou seja, no Palácio do Idalcão, a antiga residência oficial dos Vice-reis e governadores portugueses (1759-1918), o qual a partir de 1961 passara a denominar-se Secretariat. Aqui trabalhava também uma tia minha, Maria Zita da Veiga. E conservo a grata memória de o Sr. Percival nos convidar ao Café Real para o chá das cinco. Como o restaurante apinhado de gente, demorámos no seu Volkswagen Beetle, onde vieram chávenas de chá para os colegas e um refresco para o menino que os acompanhava!

Diga-se de passagem que eu admirava o seu automóvel, preto, parecendo sempre novo, tal como o seu proprietário. Este, sempre vestido de bush shirt ou camisa safari, percorria os cantos e recantos da cidade, que conhecia como a palma da sua mão. É que Percival e Pangim se pertenciam um ao outro: foi dos melhores cronistas da capital, do seu ethos e do seu ritmo, que descreveu em bela prosa.[2] E fê-lo com autoridade, mesmo porque presenciou nove décadas, ou seja, metade da história dessa urbanização,[3], de forma que hoje se torna difícil imaginar o nosso Pangim sem o Sr. Percival Noronha.

Cargos oficiais

Feitos os estudos liceais na capital, o Sr. Percival Noronha entrou para a administração pública, em 1947. Trabalhou, primeiro, nas Obras Públicas, passando depois para os Serviços da Estatística e Informação. Quando esta foi desagregada, o distinto professor e escritor António dos Mártires Lopes levou-o consigo para os novos Serviços de Turismo e Informação de que este acabava de ser nomeado chefe. O Sr. Percival nunca se esqueceu dos belos tempos do Liceu e do funcionalismo que passou sob a alçada directa desse seu antigo professor liceal: confessava que essa relação fora fundamental em nutrir a sua paixão pela história e cultura.

Quando se deu a mudança do regime politico, em Dezembro de 1961, o Sr. Percival era chefe-adjunto dos Serviços da Informação, reportando ao governador-geral Vassalo e Silva. Em Junho de 1980, a visita do simpático governador coincidiu com as comemorações do 4.º centenário da morte de Luís de Camões em Goa. Vinha a título pessoal, mas nem por isso a visita deixou de suscitar controvérsia.

Decorreu-se o pior da cena no Azad Maidan (‘Largo da Liberdade’), a antiga Praça Afonso de Albuquerque. Aqui, à certa distância, vi o antigo governante a ser interpelado por alegados actos de comissão e omissão do regime português em Goa.[4] O embaraçoso incidente atalhou-o o Sr. Percival Noronha, que, na qualidade de chefe de Protocolo do Território de Goa,[5] estava incumbido de acompanhar o ilustre visitante.

Antes dessa data, com a limitada bagagem de conhecimentos de inglês auferidos no Liceu, e língua essa que logo veio a dominar, o Sr. Percival Noronha ocupou outros cargos importantes na administração indiana. Foi sub-secretário das indústrias, minas, trabalho, saúde e turismo. Entre muitas outras iniciativas suas, os hospitais do Asilo em Mapuçá e o Hospício de Margão passaram a subordinar-se à Direcção de Saúde. Desenvolveu as zonas de Calangute, Colvá, Mayém e Farmagudi, e ideou os desfiles do Carnaval e Xigmó; teve papel preponderante no arruamento Campal-Miramar e na arborização do Parque Infantil; e foi um dos responsáveis pela realização da grande Feira Agrícola em 1970. Ora, possuidor dum raro espírito de autocrítica, não ocultava as faltas que houvera no planeamento e execução dessas suas propostas.

Não admira que o Sr. Percival Noronha tivesse sido um solteirão muito cobiçado. Passou, porém, a vida a cuidar da veneranda mãe, vindo a aposentar-se apenas um ano após a sua morte. Era igualmente dedicado à vida burocrática, passando horas a fio à mesa do gabinete, até para além das horas regulamentares. Um funcionário desse quilate podia facilmente esquecer-se de si próprio, como foi, na verdade, o caso do Sr. Percival Noronha.

Vida de aposentado

Teria sido diferente a sua vida depois de aposentado em 1981? Mudou de actividade, sim, mas o expediente não mudou de volume. Dedicou-se, a tempo inteiro, às matérias por que tinha propensão natural: a arte, a história e a astronomia.

Começou por dotar a sua residência com mobiliário de estilo tipicamente indo-português. Efectuou-se grande parte dessa obra no rés-do-chão do seu prédio, o qual havia sido confiado ao conhecido carpinteiro Zó. Disse-me, em mais de uma ocasião, que gastara nisso quase todas as suas economias. Também é verdade que todo dinheiro lhe era pouco quanto se tratasse de comprar objectos de arte e livros.[6] Assim, a casa se viu transformada em verdadeiro museu-arquivo que deveras honra o histórico bairro das Fontaínhas.

O Sr. Percival não parou por aí: tomou a peito vários assuntos de interesse público. Inspirado pelo alto funcionário (e depois governador) K. T. Satarawala, no ano de 1982 abriu um ramo da Indian Heritage Society em Goa e foi professor convidado da Faculdade de Arquitectura. Exerceu o cargo de secretário daquela organização não-governamental que, em colaboração com a Town and Country Planning Department, preparou um relatório sobre os prédios e sítios de importância arquitectónica no território de Goa. Foi também tesoureiro do INTACH (Indian National Trust for Art and Cultural Heritage) em Goa.

Esses organismos continua a desempenhar o importante papel de alertar a opinião pública e de sugerir medidas pela preservação do património cultural mas falta-lhes o Percival, que em crónicas de jornal e trabalhos de pesquisa, se esforçara por esclarecer os conceitos relativos à tradição goesa.[7] Tinha subjacente um apelo por que os goeses se pusesssem à altura da sua história e cultura, que fazia questão de interpretar como verdadeiramente indo-portuguesa. Sendo a Velha Cidade, sem dúvida, o berço dessa cultura, era natural que a antiga capital do Império Português no Oriente fosse a menina dos seus olhos.[8] E pelos serviços prestados à divulgação e defesa da cultura de língua portuguesa e da identidade indo-portuguesa em Goa o cronista do nosso passado foi agraciado pela República Portuguesa com a Ordem do Mérito (2014).[9]

Embora o Sr. Percival Noronha fosse indiferente em matéria religiosa, nunca hostilizou a Igreja. Pelo contrário, reconhecendo o papel desta no progresso espiritual e material dos povos, colaborou com as entidades eclesiásticas. Em 1986, quando da visita do Papa João Paulo II, participou entusiasticamente na preparação do evento. E, em 1994, foi membro fundador do Museu de Arte Cristã que ora se acha no Convento de S. Mónica.

Esse goês de gema era um arco-íris de saberes, tratando tanto da arqueologia como da astronomia com a mesma facilidade. Fundou a Association of Friends of Astronomy (AFA)[10], em 1982. Este organismo, além de vir a publicar uma revista mensal, Via Lactea, editada pelo fundador, abriu, em 1990, um observatório astronómico público – o primeiro do seu género na Índia – com o apoio do Departamento de Ciência, Tecnologia e Meio-Ambiente, do Estado de Goa.

O Sr. Percival Noronha viveu uma vida sem artifícios – plain living and high thinking. Foi um líder cultural que criou à sua volta uma pleiade de jovens com decidida propensão pela história, arqueologia, arte e astronomia. Na sua casa, onde funcionavam os dois organismos que criou, recebia jornalistas, pesquisadores e outra gente interessada. Teimava em alertar a geração nova sobre o grave estado de bancarrota civilizacional em que a sua amada Goa estava a descambar. Esses recursos humanos e hábitos salutares sendo o maior legado do Sr. Percival Noronha, tem razão a Fundação Oriente em apelidá-lo de “Um Goês Exemplar”, num livro que publicou em sua homenagem.

Na verdade, é a vida intelectual que o entusiasmava, contribuíndo também para a sua saúde física. A sua roda de amigos da velha data[11] nutria a saudade pelo passado enquanto a geração nova o desafiava com projectos futuristas. Era um desses amicus certus, que tratando-se de algum sem-vergonha, falava, tipicamente, com ironia e sorriso escarninho. Mas não vou sem frizar que a todos desejava o bem, e para uma vida saudável recomendava-lhes uma medida de moog grelado por dia! Antes da prótese da anca, em Abril deste ano, esteve relativamente lúcido e ágil.

Última conversa

96 anos da vida. Dir-se-ia mesmo que o Sr. Percival Noronha teve sete vidas. Nos últimos anos era seu costume, quando adoecesse, anunciar a sua morte e daí a dias estar em pé! Era como que tivesse um sistema imunológico como o do gato persa, de que gostava. Não era motivo para recear, pois, quando ouvi de novo que o Amigo estava em declínio. Tive, porém, empenho em conversar com ele demoradamente.

Às 4,30 da tarde, o Sr. Percival tinha já à mesa o bule de chá e bolachas. Dormira a sesta e estava pronto para uma conversa. A rapariga, às ordens, sentada lá no fundo da sala. E parecia tudo como dantes...

Foi quando notei que o venerando ancião tinha o cabelo despenteado, a barba por fazer, e faltava-lhe a placa de dentes. Nunca o vira assim… Os apetrechos de trabalho estavam lá todos, arrumadinhos, nas estantes e armários, dum lado da sala de jantar, onde costumava passar grande parte do tempo a trabalhar. Também isso não estava como dantes... E reflecti também que desta vez o meu anfitrião que viera ele à janela, como era seu costume, deitando para mim a chave da porta principal… Tudo isso indicava que a sua vida ia afrouxando. Fiquei triste.

Por outro lado, animou-me o facto de ele mandar vir esse ou aquele livro ou pasta que até sabia bem onde estava. Já dava sinal de certa lucidez... Continuando a conversa notei que já não era o mesmo Percival Noronha de 1969; ou o de 1999, quando me recomendou que concorresse para a tradução do livro de Maria de Jesus dos Mártires Lopes[12]; ou o de 2004, quando me deu um depoimento sobre a Velha Cidade[13]; e nem mesmo o de 2016, quando me falou sobre o meu tio-avô[14]. Não, não era o mesmo Percival Noronha!

No entanto, ia falando sobre o seu currículo escolar e profissional; as suas actividades depois de aposentado; sobre Salazar (cuja inteligência e honestidade admirava) e o 18/19 de Dezembro; a administração, portuguesa e indiana; os cursos e conferências que realizou nas universidades da Ásia e Europa; o futura da língua portuguesa em Goa; a cultura goesa e a distorção da sua história; os seus amigos e as pessoas que admirava; e a vida em Pangim: tudo isso, entre muitos outros assuntos, e não necessariamente nessa ordem de ideias.

Nos últimos meses, vi-o, várias vezes, debruçado no peitoril da varanda, qual abencerragem a observar a vida que corria lá fora, e com a cara de quem pensa: Quantum mutatis ab illo… Barbudo, lembrava Abraão, personagem de primordial importância para as comunidades à sua volta. E com aquele cabelo a voar e ele a fitar o firmamento, assemelhava-se à figura de Einstein…

Também lá do alto do Céu ouvirá – no último domingo do mês de Novembro deste ano – a última entrevista que concedeu cá na terra. Foi a minha última conversa com o Sr. Percival Noronha.

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[1] De nome completo, Percival Ivo Vital e Noronha (26.7.1923 –19.8.2019), filho de António José de Noronha, de Loutulim, e de Aurora Vital, de S. Matias.

[2] “Panjim: Princess of the Mandovi” (2002); “Fontaínhas: vivendo com o passado”(2001); “Fontaínhas: the Tale of Panjim’s Latin Quarter” (2003), in Percival Noronha: Um Goês Exemplar (Fundação Oriente, 2015)

[3] A vila de Pangim foi elevada à cidade com a denominação de Nova Goa, por alvará de 22 de Março de 1843, o qual lhe outorgou todos os privilégios de que gozavam as cidades de Portugal Continental.

[4] O incidente impulsionou a minha primeira intervenção jornalística em forma de uma carta ao director dum jornal de Pangim – “Our Honoured Guest”, in The Navhind Times, 12/6/1980.

[5] Na altura, cumulava este cargo com o de director da administração das Obras Públicas.

[6] Doou a sua casa ao sobrinho Francisco Lume Pereira, de Verna, onde Percíval Noronha faleceu, e os livros doou-os à Universidade dos Açores e à Krishnadas Shama Library, de Pangim; e os diapositivos, ao Arquivo Histórico Ultramarino.

[7] “Christian Art in Goa” (1993); “Indo-Portuguese Furniture and its Evolution” (2000); “Priceless Christian Art” (2004), e “Goan Artisans” (2008), in Percival Noronha: Um Goês Exemplar (Fundação Oriente, 2015).

[8] “Levantamento arqueológico da Velha Goa e tentativas para a sua conservação” (1989); “Old Goa in the context of Indian heritage”(1997); “Um passeio pela Velha Cidade de Goa”(1999); “A Capela de Nossa Senhora do Monte, em Velha Goa” (2001), ), in Percival Noronha: Um Goês Exemplar (Fundação Oriente, 2015).

[9] Recebeu  ao todo 16 galardões de proveniência vária.

[10] http://afagoa.org/about_us.html

[11] Entre outros, António dos Mártires Lopes, Aleixo Manuel da Costa, Maria de Jesus dos Mártires Lopes, Alcina dos Mártires Lopes, Artur Teodoro de Matos, Luís Filipe Thomaz, Teotónio de Souza, Rafael Viegas, Nandakumar Kamat, Satish Naik.

[12] Tradition and Modernity in Eighteenth-Century Goa (Manohar, New Delhi & Centro de HIstória de Além-Mar, Lisboa, 2006)

[13] Old Goa: A Complete Guide (Panjim: Third Millennium, 2004)

[14] Castilho de Noronha: por Deus e pelo País (Panjim, Third Millennium, 2018)

Fotos de Orlando de Noronha, com excepção da da condecoração (e-cultura.pt) e da do lançamento do livro (Fundação Oriente)

Publicado na Revista da Casa de Goa, II Série, Número 1, Maio/Dezembro de 2019 https://issuu.com/jmm47/docs/revista_da_casa_de_goa_-_ii_s_rie_-_n1_-_maio-dez_


Dona Teresinha, as I knew her

Something from within impels me to speak. I somehow cannot contain this gush of childhood memories of the time, way back in the 1970s, when I used to see Dona Teresinha criss-crossing the city in her Datsun Bluebird. I can still hear her voice in the Renascença programme of All India Radio, Panjim. An exponent of Indo-Portuguese culture that she was, right from her Lyceum days, I can picture her in the play ‘Barco Sem Pescador’. Many will remember that, at times, she singly animated the Mass at St Sebastian’s, the Fontaínhas chapel that was so dear to her heart. Her steadfast circle of friends will recall that she and her family never let go an evening of entertainment that included song and dance, particularly the fado and the mandó, which she sang and danced with verve. A lady of many parts, she was confident, smart, creative and forward-looking… ahead of her times in more ways than one.

Let me now fast forward a little, beginning some eight years ago, when I had the fortune of knowing Dona Teresinha a little more closely. That’s when I gathered that she wasn’t the stern person that she seemed when her car whizzed past us children. She had happily sacrificed her career as a pharmacist to become the dedicated wife that she was to Dr Hugo and devoted mother to Carlos and Jorge, a friendly mother-in-law to Marlene and Silvia, and doting grandmother to their four bouncy kids. She was a meticulous housewife, a good cook and gourmet. An excellent hostess, comfortable with people of all ages and stations, she was a great talker and a good listener. Thanks to her vivacity, there was never a dull moment in her company. Her joie de vivre, emblematic of Panjim’s Latin Quarter that she graced, was truly infectious: This stood her in good stead when, in her last years, she was in indifferent health – indeed in a state that would have some lesser mortal slide down the slippery slope of self-pity.

The Meneses Couple

Early on 15th instant, after a pall of gloom had descended upon our household on hearing that Dona Teresinha was no more, I chanced upon an inspirational little story in the Herald, which I wish to share with you for its significance. It is the story of a lady in her twilight years. As she moved into a nursing home, she was seen to be very happy about the room allotted to her. ‘But you haven’t seen the room yet,’ said the health care staff. In fact, she never really would, because she was blind; yet, in her good poise, she replied, ‘That doesn’t have anything to do with it. Happiness is something you decide on ahead of time. Whether I like my room or not doesn’t depend on how the furniture is arranged… it’s how I arrange my mind.’

The brave lady further said – and it could well have been Dona Teresinha exclaiming this – ‘I have already decided to love my room… it’s a decision I make every morning when I wake up. I have a choice: I can spend the day in bed recounting the difficulty I have with the parts of my body that no longer work, or get out of bed and be thankful for the ones that do. Each day is a gift, and as long as my eyes open, I’ll focus on the new day and all the happy moments I’ve stored away… just for this time in my life.’

D. Teresinha with Fernando

That reads like Dona Teresinha’s credo! And this is just the time to call to mind her edifying fortitude! She lived life to the fullest, enjoying the good things that it has to offer. Not one to be cowed down, she displayed an energy and optimism rare in our day and age; and despite her troubles, she went out of her way to comfort the other. I must say that one such other was our son Fernando – a ‘special child’, to whom Dona Teresinha doled out special attention. At any social gathering she made it a point to spend moments with him, to see him laugh and sing. He loved it, and he loved her for that.

It is this ability to reach out that will remain in my mind as the single most potent image of this amazing lady. No doubt, Fernando will miss her…. We will all miss her. But in her case we can say with the Poet, that ‘Death shall be no more. Death, thou shalt die’ – which means that Dona Teresinha will live forever!

(Herald, 25 April 2010)